CONCEPÇÕES E PRINCÍPIOS

 

          Através da “língua, transmitem-se a outras gerações cultura e história” (BERGMAN, 1992, p.11).

O processo educacional da EMEBB Neusa Bassetto contempla um ensino e aprendizagem que busca a superação da mera reprodução de saberes para a produção, apropriação e transformação do conhecimento, possibilitando aos educandos tornarem-se cidadãos críticos, que saibam exercer a sua cidadania, refletir sobre as questões sociais e que sejam capazes de buscar alternativas de superação da realidade.

A visão da educação como espaço ideológico de produção e apropriação do conhecimento incorpora um conjunto de informações produzidas e constituídas das diferentes percepções do sujeito surdo e de suas possibilidades educacionais. Buscamos com a escolarização a expectativa de incorporação social e a conquista de direitos básicos de cidadania aos surdos.

Considerando que cultura, linguagem e diálogo são fatores essenciais para o desenvolvimento e sendo justamente os aspectos comprometidos em nossos educandos surdos, pois são, em sua maioria, filhos de pais ouvintes, infere-se que as consequências da privação auditiva ultrapassam a dificuldade comunicativa e atingem todas as áreas do seu desenvolvimento.

Nas crianças surdas, filhas de pais surdos membros de uma comunidade linguística surda, o processo da aquisição da língua viso-espacial ocorre de forma natural, por haver um contato prévio e efetivo com os membros reais da comunidade surda, inseridas um ambiente apropriado para o estabelecimento das interações comunicativas e o consequente desenvolvimento linguístico e cognitivo. (MACHADO, 2007)

O Surdo é diferente do ouvinte porque percebe e sente o mundo de forma diferenciada e se identifica com aqueles que também, apreendendo o mundo como Surdo, possuem valores que vêm sendo transmitidos de geração em geração independentemente da Cultura dos Ouvintes, a qual também se insere.

Infelizmente a influência do poder ouvintista prejudica a construção da identidade surda, tornando evidente que as identidades surdas assumam formas multi-facetadas em vista das fragmentações a que estão sujeitas face à presença do poder ouvintista que lhe impõe regras, inclusive, encontrando no estereótipo surdo uma resposta para a negação da representação da identidade surda ao sujeito surdo.

[...] As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural, também surge aquela luta política ou consciência oposicional pela qual o individuo representa a si mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menos valia social. (PERLIN, 2004.)

Os surdos têm signos visuais enquanto os ouvintes têm signos auditivos. As pessoas surdas têm a sua comunicação visual, têm a sua própria língua, a língua de sinais permite que o surdo crie a sua linguagem interior, entenda os conceitos da vida, além disso, também permite que o surdo tenha formação de linguagem, pensamento e orgulho de sua diferença.

A Educação Bilíngue desenvolvida na EMEBB apoia-se na língua de sinais para desenvolver a linguagem e a cognição dos surdos, seguindo propostas educacionais, culturais e sociais que sistematizam novas representações sobre a surdez e os surdos, altera a práxis pedagógicas e incorpora princípios norteadores como a utilização da Língua de Sinais como primeira língua e língua de instrução na escola (acesso à informação e construção de conhecimento), seguida da aprendizagem da Língua Portuguesa como segunda língua.

“Essa concepção sociocultural que concebe os surdos em sua diferença, acentua aspectos positivos como língua, cultura, a história das comunidades surdas, suas lutas por direitos linguísticos e civis conduzidas por suas entidades organizadas em muitos países do mundo”. (Favorito, 2006)

Trabalha as “potencialidades educacionais” dos surdos no sentido apontado por Skliar (1998), isto é, “visando à organização de uma política educacional que reconheça a diferença”. Reconhecer a diferença no campo da educação de surdos significa, em primeiro lugar, reconhecer os direitos que os surdos têm de desenvolver suas potencialidades linguísticas, culturais, comunitárias e indenitárias.

Incorporando essa reflexão, o projeto político pedagógico da escola se move a partir da crença nas potencialidades dos surdos, que podem ser definidas assim segundo Skliar (1998, p. 25-29):

1.              Potencialidade da aquisição e desenvolvimento da Língua de Sinais como primeira língua:

Como ocorre com os ouvintes em relação à aquisição da língua oral, as crianças surdas podem adquirir naturalmente a Língua de Sinais, desde que a família e/ou a escola lhes propiciem oportunidades de interação com adultos surdos proficientes. A Educação de Surdos na EMEBB Neusa Bassetto, reconhece o direito dos surdos à aquisição natural da LIBRAS e orienta-se pela seguinte política linguística:

     Favorecer momentos de interação entre alunos com diferentes níveis de proficiência na LIBRAS;

     Contar com instrutor surdo, professor surdo e professores ouvintes com domínio de Língua de Sinais;

     Assumir a LIBRAS como língua de instrução e interação no processo de ensino-aprendizagem.

2.              Potencialidade de identificação das crianças surdas com seus pares e com os adultos surdos:

Os surdos têm o direito de construírem estratégias de identificação convivendo com seus pares, isto é, com outros surdos. As identidades surdas, necessariamente híbridas e em constante processo de transição só podem ser construídas e reconstruídas em espaços que propiciem interações significativas para as pessoas surdas.

Nesse sentido, é de grande importância a presença de instrutores surdos e professores surdos na sala de aula, pois além de favorecer a expansão das referências linguísticas, de vida e de mundo dos alunos contribui para uma representação positiva da surdez. A atuação de um adulto surdo como profissional não só contribui para a valorização da Língua de Sinais no contexto escolar, como propicia, sem dúvida, uma relação de confiança dos alunos surdos em suas identidades e potencialidades.

3.              Potencialidade de uma vida comunitária e do desenvolvimento de processos culturais específicos

As crianças surdas têm o direito de se desenvolver numa comunidade surda, pois é no convívio que se estabelece a identidade de cada pessoa na sociedade. Falar em cultura surda não equivale a “uma cultura patológica” ou um conjunto de crenças e valores dissociados das comunidades ouvintes. A noção de cultura é aqui concebida “a partir de um olhar de cada cultura em sua própria lógica, em sua própria historicidade, em seus próprios processos e produções” (Skliar, 1998, p. 28). É direito dos surdos conhecerem a História das línguas de sinais, da Educação de Surdos, o teatro, as brincadeiras, o humor, a literatura, as narrativas produzidas pelas comunidades surdas, dos movimentos de luta dos surdos.

É preciso, portanto, que o currículo da escola se comprometa em garantir a presença dessa diversidade, permitindo aos alunos contato com as manifestações culturais dos surdos.

O contato do sujeito surdo com as manifestações culturais dos surdos é necessário para a construção de sua identidade, caso contrário, sua experiência vai torná-lo um sujeito sem possibilidade de auto identificar-se como diferente e como surdo, ou seja, com determinada identidade cultural. (Perlin, 2000, p. 24).

4.              Potencialidade do desenvolvimento de estruturas, formas e funções cognitivas visuais:

A Educação de Surdos na EMEBB Neusa Bassetto orienta seu trabalho por uma visão de surdez como experiência visual. Entender a surdez como uma experiência visual não se restringe à dimensão visual constitutiva do sistema linguístico das Línguas de Sinais. Em consonância com Skliar (2003), quando se comenta que os surdos são sujeitos visuais, esse reconhecimento muitas vezes está restrito ao simples fato de as línguas de sinais serem produzidas e percebidas visualmente. Para o autor, no entanto, a experiência visual dos surdos vai muito além dos modos de produzir e compreender sinais, “envolve, na verdade, todo tipo de significações comunitárias e culturais” (p. 102) e é crucial nos processos de escolarização. Alguns exemplos dessa experiência visual citados pelo autor seriam: as formas de nomeação dos outros através de sinais que caracterizam traços visuais das pessoas, metáforas visuais e humor visual, a sugestão pelos próprios surdos de didáticas e estratégias visuais de ensino, a rotação do corpo nas tomadas e trocas de turno nos diálogos e para marcação de diferentes personagens em narrativas, literatura visual em Língua de Sinais (narrativas, poesias, lendas, etc.) etc.

De acordo com essa visão, duas pesquisadoras têm chamado a atenção para a relação entre experiência visual e a construção de conhecimentos nos processos educacionais de pessoas surdas:

Lebedeff (2004) levanta a hipótese de considerar a possibilidade de um letramento visual, salientando a importância de os profissionais envolvidos com a educação de surdos refletirem sobre o papel da imagem na apropriação do conhecimento. Gesueli (2004) pesquisando o impacto da imagem nas práticas discursivas de alunos surdos também corrobora essa visão. (Favorito, 2006)

E, por fim, recorrendo às palavras de uma professora e pesquisadora surda brasileira para a qual fazer uso de recursos visuais na comunicação para os sujeitos surdos representa:

Um resgate cultural, uma possibilidade de recriarmos no interior do currículo, nossa cultura, nossa língua, nossa comunidade, principalmente, representar a surdez enquanto uma diferença cultural e não uma deficiência. Isto significa olhar a surdez a partir de seus traços culturais afastando-se do olhar patológico, da enfermidade e da normalização. (Rangel, 1998)

5.              Potencialidade de participação dos surdos no debate linguístico, educacional, escolar, de cidadania:

Para se deslocar da visão audiológica da surdez, que representa os surdos e suas línguas no campo da incapacidade, é preciso implementar um projeto de educação bilíngue em constante diálogo com os surdos e suas especificidades, que lhes garanta participação ativa nos rumos de sua escolarização.

“Reconstruir os significados, histórica e socialmente determinados sobre a surdez, os surdos e suas línguas parece ser o grande desafio e ao mesmo tempo o primeiro passo para a construção de uma educação de qualidade para e com os surdos.” (Skliar, 1998)

A potencialidade de reconstrução histórica dos surdos sobre a sua educação e sua escolarização é, sem margem de dúvidas, um ponto de partida para uma reconstrução política significativa e para que participem, com consciência, das lutas dos movimentos sociais surdos pelo direito à Língua de Sinais, pelo direito a uma educação que abandone os seus mecanismos perversos de exclusão, e por um exercício pleno da cidadania. Reconstruir essa história é uma nova experiência de liberdade, a partir da qual se torna possível aos surdos imaginarem outras representações para narrarem a própria história do que significa o ser surdo.

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